sábado, 19 de agosto de 2023

- QUER MANDAR BEIJINHOS PARA ALGUÉM, MINHA QUERIDA?

“Olarilólé Olarilólei
Bailar assim sabe tão bem
Olarilólé Olarilólei
Beijar-te assim sabe tão bem”
 
(Canção “Preço Certo”, 2023, de Pedro Mafama)

 

Praia dos Beijinhos, Armação de Pera, Lagoa, Algarve

     Quem, eu? Não, muito obrigada, não quero mandar beijinhos para ninguém. Atenção, não há aqui qualquer azedume. Apenas calor e tédio, o que já não é pouco, e me obriga a uma luta diária só para me levantar da cama. E também para me deitar. Beijinhos, não. O tempo quente interpõe-se entre mim e o mundo repleto de gente, de coisas, de emoções que não me deixam descansar. É avassalador, assim como uma avalanche de manteiga derretida. Tudo derrete: as pessoas, as coisas, as emoções, como lava entre ruínas de cidades outrora imponentes. O verão é uma guerra muito mais destrutiva do que os ventos atrevidos do inverno. São as coisas que se abandonam ao tempo ou é o tempo que abandona as coisas? Entrego-me a esta fraqueza derretida. Deslaço-me em dúvidas existenciais.

      Contudo, escrever crónicas refresca-me. Escrevo-as devagar, uma a seguir à outra, todos os dias, como uma laboriosa funcionária da escrita. Um continuum do interior para o exterior que, num irónico vice-versa volta para dentro e novamente ressalta para fora. Escrever ficção é um acto de ironia, se tomarmos a realidade como ponto de referência, não confundindo a minha realidade (conceito) com a minha verdade (percepção). Afirmo o que não teve lugar, corroboro o que não aconteceu, porque quero e posso fazê-lo. E, todavia, estou plenamente convencida que essas palavras são a minha verdade. Devagar se vai ao longe na mentira. Pouco a pouco, as malhas da ilusão vão moldando a minha vida. Qual é a vantagem? Escrever para quê, para quem? A mão escreve para a outra mão. A mão escreve para os olhos que conduzem a escrita. É um ensimesmamento, uma espiral viciosa. E é por essa razão que não consigo parar de escrever. Parece a pequena doidice que surge a seguir à ingestão de um jarro de sangria. Se não fosse alérgica ao álcool, escolheria essa espécie de alienação criativa para escrever as minhas impressões do quotidiano e aguentar as férias de verão. A loucura não é uma doença, mas sim uma vivacidade de espírito que precisa ser preservada e, de preferência, sem prestar atenção à opinião dos outros: uma arte “bruta”, digamos assim. Se é formidável ou apenas estranho, nem tu nem eu seremos os seus juízes, mas sim o tempo o tempo o tempo.

    Atenção, há mais mundos. Temos, por exemplo, o programa televisivo de Fernando Mendes – “O Preço Certo”. Aquilo é um mundo que nada tem de real ou verdadeiro, a não ser o preço certo dos artigos exibidos no concurso (mas tem que se contar com a inflação, a qual pode alienar a aposta dos concorrentes). Ganhar ou perder serve, literalmente, para matar o tempo e não tenho o hábito de concorrer. No entanto, através das relações digitais que estabeleci na pesquisa da origem de uma divertida canção que tenho ouvido nas estações de rádio, encontrei o que precisava para escrever esta crónica.

    “– Quer mandar beijinhos para alguém, minha querida?”, insiste o Fernando Mendes. Está bem, pronto. Quero mandar beijinhos “p’ra todos os que já não voltam mais e todos os que ainda estão para vir”. Está bem assim, ó Fernando? Vamos falar verdade a mentir, porque é verão, porque vale (quase) tudo, e “olarilólé olarilólei, beijar-te assim sabe tão bem!” E pronto, quem tem um “Fernando” para beijar, tem tudo para que o seu verão dê certo.

Adília César, in https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo_400

Nota da autora: os excertos da canção “Preço Certo” de Pedro Mafama foram colocados entre aspas e os dois “Fernandos” citados são duas pessoas diferentes. 

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