sábado, 25 de fevereiro de 2023

PERFIL - ALDA LARA

 A eternidade dura apenas um instante

   Ah! Vida que eu apeteci

   Estreitar nos braços,

   De encontro ao peito,

   E que perdi…

   A!... Vida que eu não vivi!...

 

                                               Alda Lara, in Poemas (1984)[1]

 

Alda Lara, in descendências.pt

     Alda Ferreira Pires Barreto de Lara e Albuquerque (1930 – 1962) foi uma poetisa conhecida como Alda Lara, com colaboração dispersa em vários jornais de Portugal, Angola e Moçambique. Nasceu em Benguela, na então colónia portuguesa de Angola, no seio de uma família de comerciantes considerada como branca, de acordo com o sistema racial colonial. Foi casada com o escritor Orlando de Albuquerque, de quem teve quatro filhos, alguns dos quais envolvidos, posteriormente, na Luta de Libertação Nacional.

     A sua obra de poesia, encontrada através de intensa procura nos seus papéis pessoais, foi publicada, postumamente, pelo marido, que tão bem revela o que lhe parece mais importante relativamente ao espírito da escritora: «A sua poesia caracteriza-se por uma intensa angolanidade implícita e, sobretudo, por um extremo amor e carinho, quase ternura, pelos outros. Ternura de menina-mulher, que sofria com os sofrimentos alheios, que vibrava com as desgraças da sua terra – Angola – e com as infelicidades dos seus filhos, que eram todos quantos sofriam»[2].

     Alda Lara expressava-se através de um estilo rico e fluente, e era uma declamadora de notáveis recursos, tendo divulgado a poesia negra que quase ninguém conhecia na época, em numerosos recitais em Lisboa e Coimbra, onde estudou medicina. Ela ficou vinculada à Geração Mensagem, percebendo-se na sua poesia o exílio, a saudade da sua terra natal e dos lugares da infância; foi sempre notória a vontade de intervir no futuro como mensageira da sociedade civil, através da sua poesia, onde se percebia uma intervenção política implícita, embora do foro sentimental. Nesses poemas, percebe-se o «contexto histórico em que viveu, com assuntos sobre a sua infância; sua identidade nacional e racial; a vida como angolana no exílio em Portugal; seus desejos como mulher, mãe e cidadã; dificuldades da vida diária sob o colonialismo; ambições emocionais; alegrias e prazeres simples da vida»[3].

     Não há poetas felizes. Também a vida de Alda Lara foi preenchida por sacrifícios, renúncias, muito trabalho e pouco tempo livre. E, todavia, os seus poemas trazem-nos não mensagens de desespero, mas sim anúncios de esperança. Uma mulher confiante, ao serviço da humanidade. Tudo era razão para tomar uma atitude, uma forma intensa de cumprir os seus deveres para com o outro. E, todavia, a solidão andava por perto.


    Todas as mãos se estenderam,

     Nenhuma se me estreitou.

 

     Todas as bocas disseram,

     Nenhuma se me calou.

 

     Todas as cruzes se ergueram,

     nenhuma crucificou.

 

     Todas as vidas viveram,

     E a minha vida ficou…

 

     A vida é uma ronda, uma dança, uma viagem. Alda Lara viveu durante um instante. Poetisa, ensaísta, médica, ativista política. Mulher. Mas o que se sabe sobre a sua vida vem dos seus poemas, que leremos com a mesma convicção com que ela os escreveu, num contexto em que tomavam forma os movimentos de libertação na África Portuguesa. Desconhecemos qual a influência da sua poesia na literatura revolucionária angolana, mas não há dúvida que a escrita poética de Alda Lara se constituiu como instrumento de desenvolvimento intelectual e conhecimento de si.

     Faleceu em Cambambe, com apenas 32 anos, devido a complicações médicas desconhecidas. Em reconhecimento pelo seu trabalho, a Câmara Municipal de Sá Bandeira instituiu o Prémio Alda Lara para Poesia.

     Ler Alda Lara é fazer justiça ao instante que durou a sua vida. Ternura e coragem são exigidas nesta viagem literária.

Adília César, in https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo_376



[2] Nota editorial à obra Poemas (Poemas (1984, Editora Vertente, obra póstuma), redigida por Orlando de Albuquerque.

[3] In Biografias de Mulheres Africanas (site: https://www.ufrgs.br/africanas/alda-lara-1930-1962/)


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