quinta-feira, 25 de julho de 2019

NÃO ME ATIRES POEMAS INTEIROS À BOCA

Auto-retrato de Adília César

- Querido, não me atires poemas inteiros à boca
eles magoam como pedras
marcam-me a pele, os ossos, o sangue e a paciência
pingos de pesadelos a tingir as horas

preocupa-me essa tua atitude recorrente
além da minha falta de poder de encaixe para a má poesia
para nódoas difíceis uma solução definitiva
mas sem a eficácia de um bom detergente emocional
(procurei em todas as lojas de referência
mas está esgotado)
sinto-me demasiado impaciente

a não ser que passes a escrever romances de amor
uma palavra de cada vez
e escreves amor em todas as páginas
não te esqueças, esta regra é muito importante

e podes atirar-me amor à vontade
com o amor aguento eu bem

Adília César
in O que se ergue do Fogo, 2016




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