Nada
há mais ruidoso, e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de
lantejoulas, do que a política. Por toda essa antiga Europa real, se vêem
multidões de politiquetes e de politicões enflorados,
emplumados, atordoadores, cacarejando infernalmente, de crista alta.
Eça
de Queirós (1845-1900),
in
Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma)
João Paulo, em Boa Vista, Leiria, fotografado por Paulo Cunha (Agência Lusa, julho 2022) |
*
A
POLÍTICA
é,
para mim, assim como uma espécie de prima afastada. Sei que existe, mas não a
conheço bem, não sinto qualquer afinidade e até sou capaz de mudar de passeio
só para não a encarar de frente e não ser obrigada a fazer conversa de
circunstância. Eu bem sei que devia ser mais militante e pró-activa a nível da
política social, já que é a vertente que eu poderia compreender melhor e dar
algum contributo válido; devia conhecer os problemas nacionais e
internacionais, emitir opiniões válidas, defender os mais fracos; devia tomar
partido da esquerda, da direita ou do centro, ou ainda de outra coisa enviesada
que, entretanto, parecesse fazer mais sentido num determinado momento da minha
vida, tendo em conta a necessidade de encontrar um sentido digno na vida que
hoje nos é oferecida. Devia, mas não tenho essa competência, apesar de aceitar,
sem grande relutância, a máxima de Aristóteles: “(…) o homem é, naturalmente,
um animal político (…)”. A história do mundo está, de facto, cheia de bons e de
maus exemplos. A história do mundo transborda de políticos, politiquetes e
politicões, dos quais vamos tendo notícias através da comunicação social. Uns
são colocados em altos pedestais, aguentando estoicamente os furiosos ventos
das alturas, e outros afogam-se na espuma dos acontecimentos.
*
ASSUMIR
a
minha fragilidade em relação ao ser, saber e saber-fazer do ponto de vista
político, com tudo o que isso acarreta, não é fácil, apesar de perceber que a política
está em tudo o que me rodeia. Apesar da minha assumida ignorância, admito que nos
períodos de campanha eleitoral presto mais atenção ao que se passa, para poder
tomar uma decisão de voto mais consciente e, sobretudo, mais válida para os
problemas reais do meu país. Ponho uma ou outra garra de fora num comentário
mais agreste, mudo de canal quando o discurso de campanha não me agrada,
suspiro e volto ao princípio de tudo: não percebo nada do que se está a passar.
E agora?
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NO
CALENDÁRIO,
não
há eleições à vista. Assim, a política está, para mim, em pausa, embora não
completamente desligada. Assisto aos noticiários e vejo o fogo arder em
praticamente todos os distritos de Portugal. O fogo arde para se fazer vida,
mas ninguém o quer por perto a destruir os bens das pessoas, seja a pequena
horta de Ansião, em Leiria, ou a turística Quinta do Lago, no Algarve. Queremos
o fogo apagado, morto e enterrado. Creio que este é um assunto assumidamente
político, se pensarmos um pouco: Estado, instituições, pessoas, bens;
cidadania, educação, crime, planeamento; causas e consequências. Faz tudo parte
do mesmo teatro de operações. No ano passado, foi assim. Este ano está a
ser também assim. E para o ano?
*
O
QUE SE ERGUE DO FOGO
é
um lugar comum, um déjà vu: o desespero dos cidadãos ameaçados pelos
incêndios, os constrangimentos dos presidentes de junta, os abalos políticos
dos nossos políticos de topo que repetem a ladainha que todos conhecem. Todos
conhecem, mas, ainda assim, deixo-a registada, porque já a sei de cor e
concordo com a lista de ser, saber e saber-fazer no que diz respeito a
incêndios florestais: é preciso insistir na consciencialização social, educando
a população para o uso racional do fogo; é preciso levar a cabo um estudo de
fundo para um melhor planeamento da massa florestal, com a sua rede de caminhos
florestais e depósitos de água; é preciso limpar as florestas e o mato; é
preciso incentivar o Estado e as empresas a fazerem um melhor aproveitamento
económico das florestas (como por exemplo, a biomassa); é preciso introduzir
nos terrenos franjas delimitadoras de espécies de árvores com um baixo poder
combustível; é preciso realizar queimas preventivas durante períodos de baixo
risco de incêndio; é preciso adoptar medidas legislativas que previnam que
pessoas ou empresas possam tirar benefício dos incêndios; é preciso reforçar a
perseguição policial e judicial dos incendiários, bem como a vigilância destes
após cumprirem pena e saírem em liberdade; é preciso oferecer recompensas a
quem denuncie um incendiário criminoso; é preciso reforçar os meios de
vigilância das florestas, nos períodos de alto risco de incêndio. É preciso.
Então porque não se faz?
*
PORTUGAL
é
um isqueiro infinito. Não é preciso dar-lhe gás, basta dar-lhe vento e ele
acende-se. Portugal é um território ofuscado por faíscas de ineficácia e cinzas
de arrependimento. E eu, que não percebo nada de política, tenho vergonha dos
políticos portugueses, esses politiquetes e politicões enflorados,
emplumados, atordoadores, cacarejando infernalmente, de crista alta. A
Europa começa aqui, com as suas políticas “europeias”. A Europa também começa
aqui, com a labuta dos bravos bombeiros portugueses e, também, de muitos heróis
acidentais que, de tronco nu, lutam com a arma da sua tenacidade. Portugal chama?
Quem responde?
Adília César, in https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo_347
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