Essa
cousa tão maravilhosa, de um mecanismo tão delicado, chamada ‘o indivíduo’,
desapareceu; e começaram a mover-se as multidões, governadas por um instinto,
por um interesse ou por um entusiasmo.
Eça de Queirós (1845-1900),
in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma)
Grafiti na cidade de Faro - Autor desconhecido
*
GOSTARIA
de
pensar que a espécie humana está a evoluir, mas quase tudo o que me rodeia
diz-me precisamente o contrário. Não creio, contudo, que seja mero pessimismo
da minha parte. Na verdade, a existência humana teve sempre como palco a
ambição, o caos, a necessidade intrínseca de pertença a um qualquer grupo. Este
movimento instintivo de actores impreparados implicou comportamentos
excessivos, irreais.
*
A MULTIDÃO
parece ter-se tornado o sujeito da democracia. E
o interesse superior do indivíduo, se não desapareceu já, tornou-se
desconfortável para a maioria, como a transparência ameaçadora da alforreca
ainda viva.
*
“ESTUDAR
onde é bom viver” é o slogan escolhido pela
Universidade do Algarve para angariar alunos para os seus cursos superiores,
exibido em alguns outdoors da cidade de Faro. Faro é igual a tantas outras
localidades portuguesas de dimensão similar: alguma alegria natural, muita
degradação; um grande entusiasmo pela praia, uma fraca adesão à cultura; e,
todavia, alguma esperança, a par de uma grande descrença no futuro.
*
A
SEMANA ACADÉMICA
é
um dos maiores constrangimentos da cidade; as quintas-feiras de arraial
universitário, também provocam o mesmo asco nos cidadãos. O comportamento dos
jovens, nestas alturas, é difícil de descrever: alguma alegria natural, muita degradação; um grande
entusiasmo pela praia, uma fraca adesão à cultura; e, todavia, existe alguma
esperança, a par de uma grande descrença no futuro. E assim vamos andando.
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RECORDO
quando soube que iria ser criada uma
universidade em Faro: foi em 1979. A dinâmica estudantil era ainda tímida,
embora com tendência a crescer, como veio a acontecer. Aqui estudei,
orgulhosamente. Hoje em dia, lamento que a própria universidade compactue com
os actos ignóbeis dos estudantes universitários actuais: praxes, vandalismo, noites
ruidosas e incomodativas. Não creio que a liberdade desses jovens passe pelo
estorvo que me causam, que nos causam. Não creio que as autoridades não possam
proteger os habitantes da cidade. Não creio que seja admissível que o Magnífico
Reitor nada possa fazer para minimizar os estragos.
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ESTUDAR
onde é bom viver? Para quem? Se os
comportamentos dos estudantes universitários são tolerados porque são
considerados indivíduos com necessidades emocionais e sociais de pertença à
matilha (assim o justificam os psicólogos), os outros parecem ser meros copos
de angústia, receptáculos impotentes da incivilidade universitária.
*
É DIFÍCIL
acreditar que aqueles mesmos jovens vão ser um
dia os dirigentes da nação. É difícil aceitar que aqueles mesmos jovens
continuarão a invocar a liberdade e a democracia como apanágio da sua própria
estupidez. Que desperdício de capital humano. Ou apenas: que desperdício.
Adília César, in https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo_311
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