Considerando o estado mental da sociedade portuguesa, ele reconhecia quanto a sua doutrina e as suas conclusões pareceriam incompreensíveis, estranhas, fantasmagóricas. No seu país, Antero era como um exilado de um Céu distante; era quase como um exilado no seu século. Para que, pois, mergulhar na multidão, anunciar uma verdade que a todos se afiguraria um sonho, e um sonho nem ao menos composto com os elementos e os pedaços de realidade que entram sempre no arranjo dos sonhos?
Eça de Queirós (1845-1900),
in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma)
"Museu da Síria" (arte digital) - Tammam Azzam e Henri Matisse
*
HOJE
passei a pé junto a um bairro degradado. No pequeno parque, automóveis de gama alta decoravam o sítio com o glamour próprio da sociedade de consumo. "É uma questão de prioridades", pensei eu. As casas são rascas, mas os carros dão nas vistas. A sociedade de consumo ensinou-nos isso mesmo: é preciso comprar, adquirir mais bens e melhores serviços; é preciso possuir algo palpável a que chamamos de “nosso”; é preciso exigir um maior crescimento económico (é mesmo necessário um "maior crescimento económico"?...). Que verdade é essa?
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ENQUANTO
deambulamos pelas lojas nas compras (ah, pois,
mas agora somos tão ecológicos porque levamos o saquinho de casa), estamos
entretidos a escolher o novo tablet ou o milagroso suplemento alimentar para o
almejado emagrecimento, ainda que não necessitemos de perder peso (tudo isto
está "tão" na moda). Sim, é uma questão de prioridades que hoje já
não são as mesmas de ontem. Parar para pensar nas prioridades, é a minha maior
urgência. O resto (as coisas e os serviços), é como a literatura irrelevante e inócua:
bem escrita, bem arrumadinha nas páginas dos livros, mas... desinteressante.
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MAS
NÃO RESISTO
a
adquirir mais um livro. Serei mais feliz porque leio muitos livros? Não sei
responder. A ser verdade que também já tive a experiência de ler maus livros,
tenho de admitir que na maior parte do tempo estou de luto pela literatura,
porque um mau livro mata sempre qualquer coisa que não é apenas do foro
literário: a leitura de um mau livro torna-me menos humana.
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ÀS
VEZES,
sinto-me
como uma exilada no meu século. Ou então a minha realidade é feita de pedaços
de sonhos que fui buscar ao real que me é oferecido, mesmo que eu não o queira.
Ainda assim, o tempo apropria-se das misérias citadinas, sem piedade pelos seus
habitantes. Entretanto os políticos fazem promessas, outra vez. Que tédio.
Resta-me interceder através do que está ao meu alcance. Procuro agarrar a
energia do sonho que me arranca ao meu quotidiano e enfrento-a de frente: a
donzela e o dragão medem forças e tomam decisões. Eu saio sempre vencedora. Eu
sou o dragão. Há uma linha de escrita visível do espaço porque é feita de fogo:
é um vulcão que abre os braços ao mundo, mas depois morre para dentro.
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INSISTO
NA ARTE
da
mesma maneira que pareço ansiar por uma doença, um eczema incomodativo: sinto
um ímpeto e escrevo compulsivamente, mas não quero apesar de querer. A
experiência estética vai muito além do entretenimento, da compreensão natural
de um fenómeno artístico, causando por vezes uma espécie de náusea emocional. A
obsessão pela escrita perdura para lá de um frágil equilíbrio, atravessa uma
fronteira que eu nem sabia que existia.
Escrever
porquê? Só tenho uma "não-resposta": escrevo porque sim.
Adília César, in https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo_309
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