Eça de Queirós (1845-1900),
in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma)
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SER OU NÃO SER
poeta,
não é uma questão. Estou até convencida que se alguém atirar uma pedra ao ar,
acertará em três poetas, pelo menos, tal é a abundância de criaturas que
pululam por aqui e por ali a escrever, a publicar e a divulgar a sua obra.
Actualmente, a banalização da poesia, do poeta e do poema é merecedora de
estudo porque está a transformar-se numa lavagem cerebral do leitor. As pessoas
pouco ou nada leem e quando o fazem correm o risco de acertar "ao
lado", tendo em conta as suas frágeis escolhas. Contudo, houve sempre
alguns bons autores, em todas as épocas: mas, ultimamente, os potenciais
autores nascem como cogumelos, reproduzem-se tal qual os coelhos. Ler quem
ou o quê? Apesar de tudo, é possível escolher.
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A OBSCURIDADE
que
envolve as escolhas assegura a nossa resistência ao fracasso. Não é possível
ler tudo e, assim, vamos tentando agarrar as pequenas luzes que surgem
um pouco por toda a parte nos suportes de comunicação ao nosso alcance: os
jornais e as revistas da “especialidade literária”, bem como as democráticas e
democratizadoras redes sociais, são como livros abertos a indicar caminhos da
“verdade”. Contudo, são como as casas com telhados de vidro. Parecem
transparentes, mas as bases das suas afirmações são de uma fatal fragilidade. Venha
o diabo e escolha ele.
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DA
TOMADA
de
decisão faz parte alguma arrogância. Não és tu que me dizes que autor devo ler,
sou eu que preciso abrir as janelas para que alguma luz possa entrar no meu
espírito ao longo desse trilho mergulhado no escuro. As escolhas dizem respeito
ao indivíduo e são feitas através de um processo específico, imaginado e
enriquecido por ele. Algumas janelas vão-se abrindo enquanto outras se fecham. O
equilíbrio demonstra-se em si mesmo. O equilíbrio faz-se também de decepções
inevitáveis.
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NÃO
FAZ SENTIDO
fazer
apresentações públicas de autores e de livros. Nem o autor é um fantoche, nem o
livro é o que dele se apregoa. O autor já escreveu o livro – isso não basta? E a
obra está à disposição do leitor que, entretanto, a descobriu (talvez por acaso)
e a lerá com a sua própria curiosidade e a devida inteligência, delineando as
suas conclusões e decidindo se é um bom ou um mau livro.
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NÃO
FAZ SENTIDO
apregoar
as propriedades literárias e estéticas de um livro num artigo supostamente
“crítico”. Mas alguém sabe fazer crítica literária em Portugal? Pregões de pura
indiscrição, empolados por uma falsidade a roçar a demagogia – e assim vai o
leitor apropriar-se de enganos sobre enganos, em camadas de ignorância
disfarçada de eloquência.
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UM
BOM LIVRO
pode
ser destruído pelos maus leitores. Um mau livro pode ser encarado e divulgado
como um bom livro pelos maus leitores. E o que fazem os bons leitores pelos
livros? Não sei, porque o bom leitor é uma raça em vias de extinção. Também os
bons leitores podem ser corrompidos ao lerem excertos, versos ao acaso; às
vezes, leem um poema, mas, entretanto, inoculados com a preguiça contemporânea,
esquecem-se de ler o livro inteiro. Cansaram-se, perderam-se, desistiram. Já não
são capazes de percorrer a via analítica de um poeta magnânimo ao longo
de quinhentas e trinta e seis páginas.
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GOSTO
POUCO
quando
apenas dizem “gosto muito”. A expressão faz-me sorrir, de tédio. Tento
compreender o que significa; depois passa. Respiro fundo e volto atrás. E de
repente, entendo a minha entediante sensação: sou eu que não sou daqui, sou eu
que não sei desfazer os laços e permaneço entrelaçada nas dúvidas das minhas
próprias escolhas. Mas são as minhas dúvidas, elas pertencem-me e só a mim
dizem respeito. Então, guardo-as, muito bem arrumadinhas nos espaços que
existem entre as palavras. E calo-me, apesar de não me sentir apaziguada, porque
o mundo da linguagem também é feito de silêncios reflexivos de preparação para
o próximo discurso, e de exercícios imaginativos que facilitam a compreensão
deste estado de coisas que me rodeia, tão superficial.
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ABRO
O JORNAL
de
referência, carregado de críticas tendenciosas ou encomendadas. Parece um
jornal de amigos para amigos, ou de especialistas com interesses mais ou menos
recíprocos. As relações de causa-efeito são bastante óbvias, a roçar a
patologia – por isso, cuidado com os efeitos secundários…
Mais
um livro “ímpar” (a sério?). Mais um que eu não vou ler, obrigada.
Adília César, in https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo_307
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